Alunas: Thamires Silva, Leila Batista

Tudo se iniciou naquela manhã calma e nublada de segunda-feira, as nuvens cinza grafite pareciam um prelúdio das catástrofes que se iniciariam após aquele fatídico dia. Num dos inúmeros conjuntos habitacionais que haviam na nublada e grandiosa Londres, Luize Campbell dormia profundamente, aproveitando um luxo que podia ser agraciado por poucos. Conforto. Luize se remexeu na cama, sentindo seus longos fios loiros se emaranharam  por  todo seu rosto. Lentamente a mulher caminhou até o pequeno banheiro e se encarou no espelho pequeno. Olheiras roxas e profundas se anunciavam sem pudor e o cabelo sem brilho e vida evidenciavam o estado da mulher. Porém mais uma vez Luize fingiu não ver seu estado deplorável. Estava melhor do que 90% da população humana e isso já era bom o suficiente.
A mulher ainda ficou alguns minutos perdida em pensamentos até se lembrar do que tinha que fazer hoje. Como um click na sua mente a mulher lembrou-se da reunião que teria com Vicent Writz. Importante parecia um adjetivo muito frívolo para caracterizar aquela reunião.  Isso por que Vincent Writz era ninguém mais, ninguém menos que o atual Ditador Sobrenatural de Londres.
Luize desceu as escadas do prédio onde residia  quinze minutos depois, os olhos correram rapidamente pelos cartazes com letras garrafais vermelhas relendo rapidamente as regras destinadas aos humanos que, a propósito, ela já sabia de cor e salteado.  Essa era a realidade desde que a cinco anos atrás os sobrenaturais assumiram o poder.
"Tudo aconteceu muito rápido", lembrou-se enquanto se aproximava do grande portão.
Ninguém quis acreditar quando assassinatos em massa começaram a acontecer por todo o mundo sem explicações, ou quando corpos e mais corpos foram encontrados sem sangue ou dilacerados por todo o globo. Todos fecharam os olhos diante da verdade… e então aconteceu. De repente, criaturas sobrenaturais eram reais e tomaram o poder... lobisomens, vampiros e fadas dominaram o mundo, rebaixando os humanos a nada. Ninguém escapou. Nem ricos, pobres, homens ou mulheres, a cor da pele nada mudou. Por que no final éramos todos humanos.
 Todos os humanos foram tirados de suas casas e submetidos a morar em conjuntos habitacionais  sem dignidade, foram afastados da família e tiveram seus salários rebaixados a uma merreca que se destinava praticamente a impostos abusivos. Sem direito algum, viraram a escória da sociedade.
Luize quase não acreditou quando foi anunciado que ela havia passado no "teste de misericórdia". Uma prova onde todos os seus conhecimentos  eram testados, para que no fim com alguma sorte conseguissem um emprego com salário alto o suficiente para comer não apenas pagar impostos. E acreditou menos ainda quando soube que poderia ter uma vida melhor do que a que fora submetida desde o início do processo ditadorial.
A loira caminhou pelas ruas movimentadas de Londres sem encarar nenhum rosto,mantinha os olhos fixos no chão, nunca fazendo contato visual as criaturas. A mulher suspirou aliviada quando adentrou as portas do imponente prédio onde trabalhava.
 " Esta atrasada " A criatura ralhou  assim que viu Luize sair do pequeno elevador " Como pode se atrasar logo hoje? Você sabe quem estará aqui ? "
 " Sim, Senhora Minerva, desculpe não se repetirá" Luize murmurou paciente. A final não havia muito que podia ser feito contra a fada a sua frente. Apesar do cargo elevado ainda era humana, ou seja, tinha que engolir a vontade de manda-la catar coquinho.
 " Não se repetirá, não se repetirá" a criatura murmurou e seguiu gritando com outra pessoa qualquer
 Diferente das histórias antes contadas as fadas não eram bonitinhas, com pozinho mágico... As fadas eram criaturas assustadoras, tinha rugas por todo rosto e orelhas pontudas, dentes pontiagudos e bafo, muito bafo mesmo!
Luize quis rir com o pensamentos mais se limitou a seguir até sua mesa.
 " Precisamos de alguém de confiança aqui dentro, que tenha acesso aos documentos... " Luize ouviu um murmurar ao passar na frente do  almoxarifado, olhou ao redor notando que todos pareciam empenhados demais nos seus trabalhos para prestar atenção em conversas alheias. " Precisamos falar com  Luize, pensa bem ela é a única humana que tem acesso aos documentos..."
A loira quase pulou quando ouviu seu nome, olhou outra vez por cima dos ombros e se aproximou mais da porta entreaberta.
" Tá de brincadeira? A dona certinha? Não mesmo! "A voz feminina murmurou e Luize a reconheceu. Era um das garotas do setor de baixo.  A loira revirou os olhos e encostou-se sem querer na porta que abriu, revelando três rostos assustados e conhecidos. Logo a mulher foi puxada para dentro da minúsculas sala e uma arma foi apontada para sua cabeça.
 " Jesus Cristo!  " Luize arfou levantando as mãos, assustada. Caio,  um rapaz que já sabia ao certo em que área trabalhava levou o indicador aos lábios pedindo silêncio, depois de alguns segundos de tensão, a mulher que segurava a arma contra sua cabeça perguntou:
" O que você ouviu? "murmurou pausadamente, Lauren, Luize lembrou  do seu nome, trabalhava dois setores acima. "
 " Nada, juro que não ouvi nada " A loira se engasgou nas poucas palavras.
 " Não minta pra mim! O que você ouviu? " Lauren deu um passo a frente engatinhando a arma
" L. Pega leve, ela pode ajudar " A outra garota que estava na sala murmurou,  apoiando a mão no ombro de Lauren.
 " Eu posso ajudar "Luize nem sabia em quê, podia ajudar, mais não estava pronta pra morrer
" Ela NÃO pode ajudar " Lauren sibilou entre dentes
 " Pensa bem, hoje ela tem uma reunião com Writz, é a oportunidade perfeita! " A garota falou...
Lauren arqueou a sombrancelha, apertando o objeto metálico na mão antes de abaixa-lo, fazendo Luize respirar aliviada.
 "Precisamos que roube um ultra secreto documento do maior ditador da história da humanidade " A garota falou calmamente e Luize quiz que Lauren tivesse puxado o gatilho
 " O que?! Pode atirar, prefiro isso ter morrer agonizando numa sala de tortura... "  A loira ralhou  se apoiando numa prateleira.
 " Eu falei que ela não aceitaria " Lauren revirou os olhos
 " Luize " Caio começou lentamente " precisamos da sua ajuda, você não faz ideia do risco que estamos correndo a meses para tentar derrubar esse ditadura, e você pode nos ajudar a por um fim nisso tudo. Não quer que toda essa injustiça acabe ?
Luize não teve coragem de manter o olhar nos olhos cor de mel do rapaz, a vergonha de admitir que não teria coragem de tentar nada fez suas bochechas corarem intensamente. Não podia fazer aquilo, era uma medrosa irrecuperável. Sempre foi
 "Desculpe..." Murmurou encarando o chão
 " Ela não vai ajudar Caio, é uma das previlegiadas que fecha os olhos para dor alheia " Lauren cruzou os braços e suas palavras chegaram aos ouvidos de Luize como lâminas afiadas.
 " Previlegiada? " Luize repetiu lentamente sentindo a raiva se apossar de seu ser " Cala a boca! Você não sabe o que eu passei, eu vi minha casa pegar fogo com toda minha família dentro e eu tenho que encarar todos os dias os responsáveis sem falar nada! Então sim, me chame de previlegiada se quiser, será só mais uma..."
Um silêncio se abateu sobre o local, até mesmo as respirações se tornaram baixas diante da tensão palpável que se abatia sob a sala.
   " Faça isso por eles então, não acha que merecem justiça? "  A garota falou lentamente, fazendo o peito de Luize doer diante da verdade.
 " Sim..." A loira concluiu num murmúrio, e depois do que pareceu uma eternidade, completou: " Do que precisam? "

                                  *

Senhora Minerva, eu gostaria de aguardar o Senhor Writz na sala onde acontecerá a reunião, assim já deixo tudo preparado para sua chegada de modo que tudo esteja perfeito." Luize murmurou a mentira que planejou nos trinta minutos em que ele ouviu o plano dos colegas de trabalho e foi a procura de Minerva.
A fada encarou os olhos da loira como se tentasse desvendar seus pensamentos com os olhos negros e sem vida. Luize agradeceu internamente por fadas não poderem ler mentes.  A criatura cruzou os braços e quando a mulher estava prestes a desistir seu rosto enrugado se repuchou num sorriso horrendo.
 " Ótimo! Ótimo! Faça isso... E não demore em uma hora o Senhor Writz chegar " A fada se entusiasmou e Luize agradeceu praticamente correndo até sua mesa e puxando uma branca pasta onde guardaria os documentos, para logo depois seguir até o último andar onde logo, estaria cara a cara com o responsável pela morte da sua família.
Luize entrou no elevador, dando de cara com Caio que fingiu indiferença ao vê-la, logo a mulher estava sozinha no elevador que quanto mais de aproximava do último andar mais o pavor a corroía por dentro, fazendo-a pensar inúmeras vezes em desistir.
 " Calma Lou, vai lá pega a porcaria do envelope pardo endereçado ao Estados Unidos, entrega a Lauren e pronto."  Repassou rapidamente o plano e sentindo seu corpo de arrepiar quando avistou a porta negra.
A sala estava perfeitamente organizada e silenciosa entretanto Luize não se permitiu ser ludibriada pelo luxo do lugar, rapidamente a loira caminhou até a grande mesa e procurou o envelope, quando seus olhos o encontraram e seus dados finos e ágeis empurraram o envelope dentro da pasta a mulher finalmente respirou aliviada. Alívio que tornou medo e pavor quando ouviu passos se aproximando, Luize reorganizou a mesa rápido o suficiente para estar perfeitamente sentada quando a porta de abriu e Vincent Writz adentrou a sala.
 " Senhor Writz, a Sra. Minerva me mandou como representante do setor cinco " A mulher falou encarando o chão.
 " Uma humana? " O homem cuspiu as palavras com desprezo. " Que seja então. Comece então... "

                                 *

Luize encarou a escuridão por cima dos ombros magros e ossudos, o medo irradiava do seu ser e da pardo evidenciava isso. Enquanto a chuva forte caia sem pena açoitando as rias e prédios londrinos a mulher de cabelos louros de entranhas cada vez mais por entre as ruas que aos poucos perdiam a magnitude e imponência dando lugar a vielas sedeadas por casebres desprovidos de conforto e segurança.
Teve que ir por outro caminho para evitar ser seguida, porém apesar de seus esforços nada adiantará.
Quem analisasse a cena de longe sentiria-se no mínimo curioso, e de fato, curiosidade totalmente aceitável diante da cena que se reproduzia. Imagine só,  Luize Campbell, funcionária do governo de confiança esgueirando por ruelas de índole duvidosa com documentos secretos sob os os braços.
Estava sendo seguida
Teve a percepção disto a partir do momento que pisou no asfalto molhado do lado de fora do prédio onde trabalhava. Estava sendo seguida e a culpa era toda sua.
Algumas lágrimas recorreram pelo rosto pálido  loira de misturando a água da chuva. Onde estava com a cabeça quando aceitou fazer parte de um frio rebelde. O nó formando em sua garganta aos poucos se dissipou quando avistou seu destino.
 Respirou aliviada quando avistou sua colega e trabalho a aguardando no hall do prédio onde vivia.
" A missão, a missão " lembrou-se
 - Hei, que chuva hein? - Luize  a comprimento com a frase previamente escolhida
 - Não é? - Rui a mulher - Olha,  acho que isso é seu devem ter colocado por engano no meio correio
A mulher entregou um envelope pardo idêntico ao que roubara mais cedo.
 - Não, acho que se enganou - Luize fingiu confusão enquanto discretamente trocava os envelopes de forma ágil
 - Ah que confusão!  Desculpe! - A mulher de cabelos castanhos sorriu  -Bem, vou indo...
" Missão concluída " Luize suspirou vendo a mulher seguir até o elevador com o documento sob os braços.
 " Mandou bem " Luize quase pulou quando Lauren surgiu atrás de si, com um sorriso leve nos lábios " Você não foi seguida... "
"Obrigada..." Luize começou, mais foi interrompida
" Escuta, eu estava errada sobre você... " Lauren tinha uma feição leve no rosto, mais antes que pudesse continuar um som alto reverberou pelo hall do prédio, Luize não pode acreditar quando o sorriso de Lauren se transformou um misto de dor e surpresa e antes de cair no chão manchando-o com o sangue espesso
 - Lauren! - Luize gritou em pânico. Lauren tinha recebido um tiro. - Meu Deus! Alguém me ajuda!
 - Lu... Luize... - Lauren se engasgou no próprio sangue - Escu..a,  escuta... está tudo bem. Completamos nossa missão, amanha... - a mulher tossiu e seu rosto se retorceu  numa careta de dor - amanhã... não vá pro trabalho. Vá pro London Eyes as 9:00 e aprecie... a vista - a mulher falou ainda antes de parar de respirar e deixar a loira aos gritos desesperados de socorro.
Lauren estava morta.
Na manhã seguinte, Luize caminhou incerta pelas ruas de Londres, as olheiras estavam mais profundas  e roxas, entretanto não ligou estava melhor que 90% da população humana... Quando a mulher parou de frente para a grande roda gigante vazia e sentou-se no banco, pensou em Lauren, e na sua causa. Uma pergunta corroía sua mente.
" Aproveite a vista?  Como assim? "
Luize suspirou e encarou a as ruas londrinas que ficavam das vez mais pequenas no alto do monumento, e onde estão tinha uma vista perfeita do prédio onde trabalhava.
9:00. O relógio marcou no pulso de Luize e antes que pudesse concluir qualquer pensamento um clarão seguido de um estrondo alto denunciava o que havia acontecido. Explodiram a sede governamental onde Luize deveria estar naquele momento. Nenhum sobrevivente, 67 mortos incluindo Vincent Writz e toda sua corte ditatorial.
" Completamos a missão " Luize lembrou-se das palavras de Lauren. E sorriu entre lágrimas.
Haviam conseguido.

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